Qualidade nos serviços se relaciona à capacidade de satisfazer necessidades e solucionar problemas. Em outros termos, serviço com qualidade é aquele que proporciona satisfação. Assim, os clientes ficam satisfeitos ou não, conforme as suas diferentes expectativas. A qualidade do serviço varia segundo as expectativas da pessoa e, obviamente, como estas expectativas são diferentes, um mesmo padrão de serviço poderá atender plenamente um cliente e deixar a desejar em outro.
No processo de satisfação de necessidades são levados em conta não somente experiências de consumo vividas, opiniões de amigos e conhecidos, como também dados e promessas dos concorrentes e do próprio prestador do serviço. A gama destes fatores gera expectativas que, quando alcançadas, possuem a função de propiciar a satisfação do cliente. Daí a importância também da personalização das preferências e necessidades dos clientes.
Importante se faz frisar dois componentes da qualidade: a qualidade real, técnica e a qualidade percebida ou funcional. Imagine o seguinte exemplo: um restaurante tem como alvo a melhoria contínua dos seus serviços e define como meta a redução do tempo de atendimento dos seus clientes. Assim estes passam a ser prontamente atendidos e todos seus pedidos são respondidos de uma maneira rápida e eficaz. Esta situação reflete os possíveis parâmetros técnicos da qualidade – rapidez e eficácia no atendimento. Considere agora que o cliente se dirige ao mesmo restaurante sem pressa alguma e com o firme propósito de relaxar e colocar a agenda em dia com seus amigos. Neste caso, a rapidez no atendimento pode passar a impressão de que a mesa deva ser liberada rapidamente, gerando certo desconforto ao cliente e, conseqüentemente, sua insatisfação.
Relevante para a prestação de um serviço, que se identifique o ponto ótimo de equilíbrio entre as características técnicas e funcionais, mas sempre sem perder o foco de que o patamar ótimo da qualidade consiste naquele em que se potencializa o nível de satisfação do cliente com o menor custo associado.
Vale ressaltar também a necessidade de certa uniformização dos serviços com o escopo de projetar uma imagem coerente para o mercado. De um lado, se requer a homogeneidade do desempenho, e do outro, as diversas expectativas dos clientes impõem que as interações estabelecidas quando da prestação do serviço sejam heterogêneas. Neste ponto é que se constata a importância da capacitação do pessoal, dos aspectos de natureza comportamental e da própria cultura organizacional da empresa em que devem estar presentes práticas que garantam que o cliente, por exemplo, seja levado a sério, tratado com respeito, ouvido e, caso algo fora do padrão aconteça, que sejam tomadas ações imediatas, para que tal atendimento inadequado não volte a ocorrer.
Clientes detestam promessas que não são cumpridas, serem tratados com indiferença, com atitudes indelicadas, descaso perante reclamações e a eterna falta de retorno. Quando o cliente é bem atendido, certamente volta a consumir os serviços da empresa. Quando ficam insatisfeitos, além de trocarem de fornecedor, costumam comentar com amigos sobre o problema do atendimento o que faz com que a empresa tenha maiores perdas em sua parcela de mercado no longo prazo.
Na prestação de serviços, a produção e o consumo ocorrem ao mesmo tempo, fato este que conduz a maiores cuidados no momento de contato com o cliente, uma vez que, neste instante, o serviço consumido resulta de todo um trabalho de preparação. Nessa hora o profissional de atendimento deve saber que tem uma grande responsabilidade sobre a satisfação do cliente. Em suma, é esta a “hora da verdade” (CARLZON,1980), que vai se refletir na satisfação do cliente. Assim a prestação de serviços com qualidade requer a determinação dos componentes tangíveis e intangíveis dos mesmos, bem como a clara definição da interação do consumidor x prestador de serviço. Somente esta análise sistêmica possibilita a prestação de serviços com a demandada qualidade.
FATORES QUE INFLUENCIAM A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
A prestação de serviço, de modo geral, tem sido alvo de um sem número de reclamações por parte dos clientes, o que explica, em boa parte, os juizados especiais cíveis, pelo país afora, estarem abarrotados de processos, a maior parte, versando sobre causas alusivas à defesa do consumidor.
Pode-se vislumbrar a qualidade dos serviços sob uma abordagem em que, segundo Lobos (1993), três fatores se relacionam sob o enfoque do cliente: “Desempenho”, “Atendimento” e “Custo”. O primeiro destes, “desempenho”, se refere à razão de ser do serviço prestado em si. Exemplificando, ao se realizar um depósito em conta bancária, o cliente espera que o valor correspondente venha ficar disponível na sua conta corrente para cobrir eventual cheque ou efetuar um saque em dinheiro. No entanto, se, para levar a efeito seu objetivo, o cliente tiver de esperar tempo excessivo em filas intermináveis, para, por fim, ser atendido por caixas sem a mínima cortesia, o fator “atendimento” em nada foi observado. O último destes fatores, “custo”, também se verifica relevante principalmente por que se o preço pago pelo serviço, como a tarifa bancária, por exemplo, não for razoável, a qualidade do serviço prestado foi considerada incompleta. Vale frisar que não existe “meia-qualidade”, isto é, ou os serviços prestados atendem aos clientes – são de qualidade – ou não.
MEDIÇÃO DA QUALIDADE NO ATENDIMENTO
A ação de “medir qualidade”, isto é, o desempenho efetivo dos processos, comparando-o com desempenho pré-estabelecido como desejável, se constitui em elemento básico para se conhecer, com antecipação, o resultado final. De fato, com a medição se torna possível verificar desvios potenciais ou já existentes, de maneira a possibilitar a correção tempestiva de rumos (REIS, 1998), bem como identificar oportunidades.
Devem ser estabelecidos indicadores de gestão para que os processos possam ser acompanhados e monitorados. Na medida em que resultados dos indicadores saem do padrão, podem ser estabelecidos planos de ação para que retornem ao devido rumo e, com o tempo, com os processos mais estáveis, é possível estabelecer novas metas, mais ousadas, e novos planos, para que os resultados esperados sejam ainda superiores, rodando o que tradicionalmente chama-se de PDCA (Plan, Do, Check, e Action).
Indicadores para tais fins são muito conhecidos e dentre eles destacam-se: índice de satisfação/insatisfação, índice rejeição/aceitação, % de pedidos entregues no prazo/fora do prazo, prazo médio de entrega, % de pedidos que satisfazem completamente, % de devoluções de cliente por danos, erros e entregas fora do prazo, prazo médio da resolução de problemas etc.
Teoria de fatores de Herzberg e as contribuições de Kano
Herzberg (1959), na formulação da “Teoria dos Dois Fatores”, primou por tratar dos fundamentos que embasam motivação e satisfação de pessoas em relação à função que exercem ou ao cargo que ocupam. Nesta teoria, conforme Herzberg:
- A satisfação no cargo é alcançada a partir do resultado da tarefa em si que é executada pelo profissional. Isso ocorre, por exemplo, quando o funcionário encontra uma oportunidade de aprendizagem e de treinamento e a possibilidade de crescimento com atividades desafiadoras e estimulantes do cargo. Configura-se como uma forte base de fatores de motivação. Tais condições presentes representam “fatores motivacionais”.
- A insatisfação no cargo é gerada em função do ambiente, dos colegas, do chefe, do contexto geral do cargo, da falta de condições de trabalho, do baixo salário etc. Essas condições configuram a falta de “fatores higiênicos” e, por conseguinte, geram “insatisfação” dos funcionários.
Detalhando, os fatores higiênicos se referem ao contexto que envolve o funcionário enquanto trabalha, associado às condições físicas e ambientais, salário, benefícios sociais, tipo de supervisão recebida, os regulamentos internos, as oportunidades existentes etc. Herzberg considera esses fatores higiênicos muito restritos em sua capacidade de influir no comportamento dos empregados. Sendo ótimos estes fatores, simplesmente a insatisfação é evitada, tendo em vista que sua repercussão sobre o comportamento não permite elevar a satisfação. No entanto, se precários, resultam em grande insatisfação.
No que concerne aos fatores motivacionais, estes são os que fazem alusão ao conteúdo do cargo, às respectivas tarefas e deveres relacionados. São estes que geram algum efeito duradouro na satisfação elevando a produtividade aos níveis de excelência. O termo motivação, para Herzberg, abriga sentimentos de crescimento, de realização e de reconhecimento profissional, revelados mediante o exercício de tarefas e atividades que apresentam desafio e significado para o funcionário. Sendo ótimos, incrementam sobremaneira a satisfação e, se precários, provocam simplesmente ausência de satisfação.
Por sua vez, Kano (1984) em seu modelo, apresentado a seguir, identifica dois eixos – da satisfação/insatisfação do cliente (eixo y) e do atendimento/não atendimento das necessidades dos clientes (eixo x) estabelecendo quatro quadrantes. Demonstra ainda três curvas de atendimento que estão associadas a diferentes tipos de requisitos a serem observados na prestação de serviços que implicam na satisfação do cliente de forma diferenciada.
A primeira curva que cruza os quadrantes 3 e 4 se refere ao atendimento das expectativas básicas do cliente traduzidas por requisitos de cunho obrigatório, uma vez que, não preenchidos, provocará no cliente extrema insatisfação (a curva cruza o eixo y para baixo). Por outro lado, o atendimento destes requisitos básicos não leva à satisfação dos clientes (a curva não cruza o eixo do x para cima), pois, afinal, estes requisitos já eram esperados no serviço. Ou seja, o atendimento destes requisitos não leva a incremento no grau de satisfação do cliente. Essa curva chamada da “qualidade básica” tem também como característica ser a curva das expectativas “não verbalizadas”, pois o cliente não verbaliza aquilo que ele já espera encontrar como básico. Traduzindo o conceito desta curva em um exemplo prático de entender, considere um exemplo associado a hotel padrão “executivo 4 estrelas”. Os requisitos básicos, não verbalizados, poderiam ser o quarto confortável, limpo, atendimento rápido, bom café da manhã, água quente no chuveiro, internet, TV a cabo etc. A presença destes fatores não gera satisfação do cliente (a curva no quadrante 3 se aproxima da paralela do eixo x, mas não chega a ultrapassar). No entanto, a ausência gera insatisfação (a curva no quadrante 4 cruza o eixo y, para baixo).
Uma segunda curva faz alusão às expectativas desejadas espelhadas em requisitos de natureza linear, curva esta denominada qualidade unidimensional (curva/linha cruzando os quadrantes 4 e 2). Neste caso, a satisfação do cliente se revela proporcional ao patamar de preenchimento dos requisitos/expectativas dos clientes, de tal modo que, quanto maior este patamar, maior se traduz o grau de sua satisfação (quadrante 2). Por outro lado, no momento em que os requisitos não estão sendo atendidos, isto gera insatisfação (quadrante 4). Exemplificando, é o que ocorre quando se compra um automóvel e o cliente tem determinada expectativa em relação ao desempenho em termos de quilometragem rodada por litro de combustível. Quanto maior este rendimento, mais satisfeito o cliente ficará e, em contrapartida, quanto menor o desempenho, mais insatisfeito ele ficará.
A última curva faz referência às expectativas inesperadas apoiadas em requisitos atrativos, dado que estes consistem nos critérios do produto/serviço que têm maior repercussão na satisfação do cliente e raramente são explicitamente declaradas ou esperadas pelos clientes. Esta curva é denominada qualidade excitante ou, ainda, “não esperada”. No gráfico a seguir ela cruza os quadrantes 1 e 2. O atendimento a estes requisitos proporciona grande nível de satisfação (curva no quadrante 2), porém não gera insatisfação caso não se façam presentes (a curva tende a ficar paralela ao eixo do x, no quadrante 1, mas não o cruza). Em suma, são estes requisitos que trazem consigo o diferencial para atrair o cliente. Voltando ao exemplo do hotel, poderiam ser serviços diferenciais não rotineiros, tais como, a preocupação do hotel em servir espontaneamente para um hóspede específico uma fruta, no café da manhã que ele tradicionalmente solicita; a preocupação de devolver a camisa mandada para a lavanderia, da forma que ele gosta – dobrada ou pendurada no cabide.
Enfim, a “Análise de Kano” ou “Diagrama de Kano” se constitui em um método para o desenvolvimento ou melhoria de produtos baseado na caracterização das necessidades do cliente, verbalizadas ou não. Configura, em gráfico bidimensional, a relação entre o atendimento ou a existência dos mencionados requisitos e a satisfação do cliente, conforme a seguir.
Desta forma, a curva da qualidade excitante está associada aos fatores motivacionais de Herzberg, enquanto que a curva da qualidade básica está alinhada aos fatores higiênicos.
O método gerado pelo professor japonês da Universidade de Riko, em Tóquio, torna possível aos desenvolvedores de produtos transformarem os dados obtidos pelas pesquisas e centrais de atendimento em melhorias reais no produto de modo a procurar não apenas a satisfação do cliente, mas a superação de suas expectativas, isto é, o encantamento do cliente.
Nesta linha de raciocínio, para obter a fidelidade de um cliente é necessário atingir a sua plena satisfação. Essa aludida satisfação é o resultado da comparação do serviço percebido em relação ao esperado. O cliente sempre esperará receber um serviço com um nível de qualidade igual ou superior ao recebido anteriormente. Desta forma, é importante a melhora contínua, único meio para satisfazer as crescentes expectativas dos clientes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como se observou, o elemento comum entre os estudos de Kano e de Herzberg se situa no âmbito da satisfação: para Kano, o contexto é o da prestação de serviços e para Herzberg é o do trabalho.
Em outros termos, os requisitos obrigatórios de Kano são equiparáveis aos “fatores higiênicos” de Herzberg, ou à base da “pirâmide de necessidades” de Maslow (1954). São requisitos que o consumidor não solicita que sejam atendidos e que, se atendidos, não aumentam seu grau de satisfação, porém, na hipótese de não serem devidamente tratados, causam descontentamento na clientela.
O estado de “encantamento” ocorre quando a empresa realiza algo que surpreende o cliente, o que acontece quando o atendimento de suas necessidades supera o que está sendo esperado. Pode-se comparar estes requisitos ao topo da “pirâmide de Maslow” ou aos “fatores motivacionais” de Herzberg. Atendidos, o prestador de serviços certamente estará incrementando a satisfação do cliente, entretanto, se não o forem, não implicarão redução de satisfação tendo em vista que se constituem algo que o cliente, via de regra, não espera.
A exceção fica a cargo da satisfação linear, curva da qualidade unidimensional, de Kano, exatamente por esta não guardar paralelo com qualquer dos fatores de Herzberg, uma vez que aquela satisfação se dá com o atendimento dos requisitos que o cliente manifesta querer ou esperar e, em contrapartida, a insatisfação ocorre pelo não atendimento das expectativa.
É importante considerar que, de uma forma geral, os requisitos inesperados de “hoje” certamente serão requisitos desejados de “amanhã” e requisitos básicos de “depois de amanhã”. Afinal, os clientes se deparam, frequentemente, com novas oportunidades e inovações oferecidas pelos prestadores de serviços. Na medida em que novos serviços passam a ser oferecidos, tornam-se comuns, sendo exigidos, esperados.
Outro fator associado aos conceitos de Kano que as empresas devem levar em consideração é a importância da segmentação do mercado. Afinal, os clientes têm diferentes vivências e foram expostos em suas vidas a variadas condições. Um serviço considerado “inesperado” para um cliente pode ser considerado “desejado” para outro, ou até mesmo “básico” para um terceiro. Daí a importância da segmentação do mercado na prestação de serviços.
Adicionalmente, analisando as curvas de Kano, é importante destacar que os requisitos associados à curva da qualidade excitante são os que geram a manutenção e a fidelidade dos clientes. No entanto, ressalte-se que, de nada adianta a empresa focar em atender/oferecer serviços dentro deste nível de qualidade excitante deixando de atender os requisitos da qualidade básica. Imagine, por exemplo, um serviço extremamente diferenciado para um hóspede, tratado pelo nome, com oferta de upgrade etc., mas que o simples chuveiro do do banheiro está com problemas e seu banho muito gelado.
O atendimento adequado é o mínimo que se espera nos dias de hoje. Conforme Marshall Junior (2008) é de fundamental importância o entendimento do cliente e do mercado, visando a criação de valor de forma sustentada para o cliente. Atender as expectativas básicas da clientela mal garante a sobrevivência da empresa. O mercado competitivo, com consumidores cada vez mais exigentes e sofisticados, demandam atendimento personalizados, diferenciados e inovadores, que se bem prestados, de forma sistemática e contínua, poderão contribuir, sobremaneira, para o crescimento, prosperidade e sustentabilidade do negócio.
Isnard Marshall é professor e coordenador curso de MBA em Gestão Empresarial da STRONG FGV. Também é professor pesquisador da STRONG ESAGS e Coordenador e autor dos livros da série FGV Publicações Doutor em Engenharia Química pela Escola de Química – UFRJ / RJ, Mestre em Engenharia de Produção pela COPPE / RJ, Especialista em Administração pela PUC / RJ e Administrador de Empresas pela EBAPE – FGV / RJ. Participou de diversos cursos de aperfeiçoamento e atualização no exterior, destacando-se:
Brazilian Program for Quality Management promovido pela AOTS / JUSE (Yokohama, Japão – 1991), Business Seminar pela Ohio University (Athens, EUA – 2002), Business and Management for International Professionals pela University of California (Irvine, EUA – 2003 a 2007, 2009, 2010, 2012, 2013 e 2014), Conducting Business in a Changing World pela University of Tampa (2011), Public Policy, Finance and Investment Strategies pela University of Chicago (2011) e International Program in Business pela University of Miami (2012).
BIBLIOGRAFIA
CARLZON, Jan. A hora da verdade. Rio de Janeiro: Sextante, 1980.
HERZBERG, Frederick. The motivation to work. Nova York: Wiley, 1959.
KANO, Noriaki; Seraku, N.; Takahashi, F.; Tsuji, S. Attractive quality and must-be
quality. Hinshitsu, The Journal of the Japanese Society for Quality Control, Abril 1984.
LOBOS, Julio. Encantando o cliente-externo e interno. São Paulo: J. Lobos, 1993.
MARSHALL JUNIOR, Isnard et al. Gestão da Qualidade. 8ª ed. Rio de Janeiro: FGV Management, FGV, 2008.
MASLOW, A. H. Motivacion y personalidad. Barcelona: Harper & Brother, 1954.
REIS, Luiz Felipe S. Dias. Gestão da excelência na atividade bancária. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1998.