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Artigo: O Real sob ataque especulativo

Blog
28 de setembro de 2018
O Real sob ataque especulativo MBA em Gestão Financeira

Seguindo a trilha aberta pela lira turca e pelo peso argentino, o real parece ser a bola da vez. Uma alta desenfreada do dólar, desde meados de abril desse ano, vem desafiando o Banco Central. Confrontado com um evidente movimento especulativo, o BC reiniciou, em maio, a venda de swaps cambiais. Mesmo despejando mais de US$40 bilhões no mercado, a autoridade monetária não conseguiu frear a disparada da moeda americana. Houve alta de 25% nos últimos sete meses, sendo que 2/3 da escalada ocorreu nos últimos 90 dias. Como o custo mais alto deveria desestimular os compradores de dólares, e como o país dispõe de um colchão de reservas cambiais de quase US$400 bilhões, surge a dúvida: por que a alta não cessa?

Nossa hipótese é que um “ataque especulativo” se encontra em gestação. Desde abril, o mercado cambial vem apresentando crescente aversão ao risco. Nas últimas semanas, essa aversão se acentuou de forma extremada, fazendo disparar um padrão de comportamento conhecido por “efeito manada”. Esse efeito ocorre quando o mercado apresenta reação homogênea -todos só vendem ou todos só compram – diante de uma dada conjuntura.

Dado o comportamento recente do mercado, não seria incorreto supor que a divulgação das últimas pesquisas eleitorais provocou uma mudança radical no humor dos investidores. Na medida em que aumentou a possibilidade de vitória de um candidato descomprometido com o ajuste fiscal, a busca por proteção cambial passou a nortear o mercado. Como esse movimento passou a ser replicado por todos os investidores, dado o alto risco que o desajuste representa, o “efeito manada” eclodiu. Com ele presente, o risco de um ataque especulativo se acentuou.

Senão, vejamos: inicialmente, a alta da relação dívida /PIB de um país, aos olhos dos investidores, indica maior chance de inadimplência no pagamento da dívida pública. Com isso, se eleva a aversão ao risco associada a essa dívida. Na sequência, a menor disposição ao risco serve de incentivo à compra de dólares, o que, consequentemente, leva a uma alta da moeda americana. Como a alta do dólar produz evidente impacto inflacionário, o aumento da taxa de juros se torna mandatária. Porém, como esse aumento irá afetar negativamente o custo da dívida, espera-se piora no quadro fiscal. Portanto, como a piora da relação dívida/PIB afeta negativamente a percepção de risco do mercado, entraria em marcha um mecanismo de “retroalimentação” da alta do dólar. O aumento da aversão ao risco deflagraria um novo incentivo à compra de dólares, o resultaria em uma nova alta de preços. Assim, uma dinâmica “perversa” passaria a operar: cotações mais altas passariam a “retroalimentar” novos movimentos de alta, gerando assim uma espiral ascendente de preços. Essa é a razão da alta incessante do dólar nos últimos meses, e é o prenúncio do ataque.

Portanto, resta claro que, diante do quadro atual, a crescente fragilidade fiscal é o fator que sustenta a alta do dólar. Uma dívida do setor público que equivale a quase 80% do PIB, junto com um déficit primário equivalente a 2% do PIB, são os principais indicadores dessa fragilidade. Nesse contexto é que pode ser interpretado o comportamento “anacrônico” do mercado e a sua crescente aversão ao risco.

Em resumo, está em gestação um “ataque especulativo” contra o real. Esse ataque se caracteriza por uma situação na qual a disparada do dólar poderia ser atribuída essencialmente aos distúrbios fiscais que afligem a economia brasileira. Em termos mais específicos, o “ataque especulativo” se desenrola sob um contexto no qual a dívida do setor público já se encontraria em um nível que é desconfortavelmente próximo ao máximo que se acredita ser sustentável às condições compatíveis com o seu pagamento. De fato, com uma trajetória projetada para a dívida pública acima do que parece ser sustentável, o risco-país se eleva a níveis que não mais recomendariam a compra de títulos públicos. Nessa perspectiva, somente o compromisso com o reequilíbrio fiscal poderia barrar o ataque.

Mauro Rochlin é Professor de MBAs na STRONG FGV; Doutor em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Mestre em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-RJ(1990). Bacharel em ECONOMIA pela UFRJ (1981). Atualmente é professor-adjunto da Faculdades IBMEC-RJ e Professor-Auxiliar da PUC-RJ. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Crescimento, Flutuações e Planejamento Econômico.


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