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Reflexões sobre Gestão da Inovação

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23 de janeiro de 2019

Considerando que, no mundo em que se vive, os recursos se apresentam cada vez mais escassos, necessário se faz intensificar os esforços, via inovações tecnológicas, para se alcançarem vantagens competitivas. Neste artigo, serão tratados os aspectos relativos à gestão da inovação em algumas indústrias, bem como será revisado alguns conceitos alusivos à mencionada gestão.

  1. Trajetórias tecnológicas da indústria de biocombustíveis e bioprodutos

Considere a indústria de biocombustíveis e de bioprodutos. As empresas são classificadas, através de suas “Trajetórias Tecnológicas”, segundo Pavitt (1984), em cinco diferentes tipos:

  • Supplier Dominated: aquelas em que as modificações técnicas decorrem basicamente de seus fornecedores de equipamentos ou insumos (ex. indústria têxtil);
  • Scale Intensive: onde a aquisição e aprimoramento tecnológico são gerados por projetos, construção e operação de sistemas ou produtos complexos (indústria automobilística);
  • Science-Based: onde a acumulação de conhecimento e tecnologia ocorre basicamente por sua própria pesquisa e desenvolvimento (P&D), em seus próprios laboratórios (indústria farmacêutica);
  • Specialized Suppliers: aquelas onde, geralmente, pequenas empresas fornecem para outros sistemas complexos de produção ou informação, na forma de instrumentos ou softwares (ex. indústrias de instrumentos e software);
  • Information-Intensive: empresas que abrangem fontes de tecnologia tais como softwares e sistemas, assim como o seu fornecimento para aplicações nas áreas financeira, publicitária e de viagens.

O modelo de Abernathy e Utterback considerou a evolução da indústria, por intermédio da gestão da inovação baseada no desenvolvimento de produtos e processos, tendo sido distinguidas três etapas de evolução:

  1. a) fase inicial ou fluida que se refere ao momento em que ocorre um enorme volume de experiências com o projeto, com pouca atenção aos processos, uma vez que o importante é captar a preferência do público;
  2. b) fase transitória, quando a taxa de grandes inovações de produto diminui e a taxa de inovação de processo aumenta, tendo em vista que a variedade de projetos começa a dar lugar a projetos padronizados que já provaram o seu valor no mercado;
  3. c) fase madura ou específica, representada pela redução da taxa de inovações importantes tanto para os produtos, como para os processos.

Assim, considerando a indústria de biocombustíveis e de bioprodutos, nesse artigo, são examinadas três arenas de competição: a) etanol e biodiesel de 1ª geração; b) novos biocombustíveis e bioprodutos; e c) indústria integrada de biomassa, ressaltando que, no tocante à trajetória tecnológica, segundo a taxonomia de Pavitt, e o modelo de Abernathy e Utterback, a gestão de inovação na empresa deve estar atenta aos seguintes conselhos que identificam e comparam aspectos relacionados às mencionadas arenas competitivas:

  1. Arena do etanol e biodiesel de 1ª geração:

A gestão de inovação na empresa deve observar que, quanto ao seu estágio tecnológico, de acordo com o modelo de Abernathy e Utterback, esta indústria se encontra na fase madura, mas em evolução por conta de novas tecnologias de conversão e novas e melhores matérias primas. Segundo Bomtempo, o potencial de ganho de produtividade da indústria brasileira ainda é expressivo mesmo dentro do modelo da primeira geração. A trajetória tecnológica desta arena – segundo a tipologia de Pavitt – pode ser caracterizada como do tipo Supplier Dominated, haja vista que suas tecnologias de produção vêm incorporadas nos equipamentos e projetos de engenharia adquiridos de fornecedores especializados, sendo que a gestão da inovação da empresa deve levar em conta a forma como a tecnologia está evoluindo, uma vez que a indústria tem crescido historicamente com tecnologia externa, em particular no caso da tecnologia industrial.

  1. Arena de novos biocombustíveis e bioprodutos:

A gestão de inovação na empresa deve atentar para o fato de que as tecnologias desta indústria encontram-se, na maioria dos casos, em estágio de laboratório ou piloto, de modo que, quanto aos biocombustíveis obtidos a partir de matérias-primas lignocelulósicas – de acordo com IEA – suas rotas de conversão estão se movendo para a fase de demonstração, ou já nela se encontram, razão pela qual, quanto ao seu estágio tecnológico, sob a ótica de Abernathy e Utterback, esta indústria ainda se encontra na fase fluida, o que significa que a estrutura industrial encontra-se aberta às estratégias dos inovadores. De acordo com WEF, bioprodutos tendem a se tornar cada vez mais importantes para diversas indústrias-chave no futuro. A gestão da inovação na empresa deve estar atenta ao fato de que a estratégia competitiva nesta arena deve ser de inovação e de construção de capacidades para capturar oportunidades, tendo em vista que, de acordo com Bomtempo, no caso de arena diversificada, o problema reside no acesso à tecnologia que, normalmente, não se encontra disponível no mercado, razão pela qual a transição a uma indústria do tipo Science-Based – segundo a tipologia de Pavitt – se torna ainda mais reforçada nesta arena de “novos biocombustíveis e bioprodutos”.

  1. Arena da indústria integrada de biomassa:

A gestão de inovação na empresa deve observar que a estrutura industrial desta arena está em aberto, em formação, o que significa que esta arena, segundo Bomtempo, traz grandes oportunidades para os players que conseguirem se colocar como líderes da indústria, oportunidades estas que dizem respeito não somente ao desenvolvimento tecnológico – novos produtos e novos processos – mas também à própria moldagem da estrutura industrial (escala e escopo de produção, modelos de negócios), o que caracteriza a fase fluida em que se encontra esta indústria, de acordo com o modelo de Abernathy e Utterback. A gestão de inovação na empresa deve adotar, como estratégia competitiva nesta arena, a identificação das competências necessárias para competir no novo ambiente de modo que a empresa desenvolva capacitações para perceber e capturar essas oportunidades. A gestão de inovação na empresa também deve notar que – de acordo com o WEF – há, nesta indústria, uma atual necessidade de pesquisa & desenvolvimento em técnicas de conversão e processamento de matérias-primas, com vistas a alcançar a diversificação do fornecimento de matéria-prima e uma maior eficiência de conversão, caracterizando uma indústria do tipo Science-Based, segundo a tipologia de Pavitt.

  1. Inovação disruptiva X Inovação radical

Um outro conceito, que tem sido crescentemente adotado pelas indústrias, consiste no da inovação disruptiva (disruptive innovation), o qual foi proposto por Christensen et al, tendo muitas vezes sido considerado equivalente ao de inovação radical.

De acordo com Tushman e Anderson, inovações radicais são associadas a produtos ou processos tecnológicos inteiramente novos e inovadores, em muitos casos, aptas a alterar seriamente as estruturas efetivas de mercados. As inovações radicais, via de regra, acompanham a linha technology-push de Dosi, ou seja, a elaboração de novos conceitos é realizada dentro das organizações, em boa parte conduzidos por profissionais aplicados ao desenvolvimento de novos produtos. As inovações radicais raramente são objeto de intervenção prévia do mercado já que, por motivos de proteção, não é levada a efeito a abertura do novo conceito durante o seu desenvolvimento.

De acordo com Christensen, inovações radicais são ocorrências que revolucionam a indústria, baseando em melhorias substanciais de desempenho e geralmente apresentados na forma de novas tecnologias.

Ainda de acordo com o conceito desenvolvido em Christensen et al, as inovações disruptivas, por seu turno, são elementares quando comparadas com tecnologias e processos aos quais sucedem, sendo sua arquitetura normalmente apoiada em uma associação de elementos pouco incentivados  pelas empresas estabelecidas. As inovações disruptivas são distinguidas por oferecer menos que os consumidores de mercados estabelecidos estão habituados a receber e, por esta razão, no início, preenchem espaços em mercados emergentes os quais, por várias razões, como escassez de recursos ou sofisticação excessiva, não adotavam os produtos / serviços disponíveis até então. Embora, em algumas vezes, as ideias de ruptura tenham seu origem  em empresas estabelecidas, em sua grande parte, são repelidas por elas devido ao baixo ganho financeiro que oferecem em relação aos seus produtos de linha. Destarte, na boa parte das vezes, os conceitos de ruptura são desenvolvidos por empresas entrantes, que podem se mover com um considerável grau de liberdade.

Adicionalmente, de acordo com Christensen et al, a taxa de evolução tecnológica de um produto ou processo geralmente se apresenta superior à taxa de evolução requerida pelo mercado. Alegam que este fato ocorre porque as empresas estabelecidas estão perseguindo a “inovação de sustentação”, tentando prolongar  o sucesso histórico de seus produtos, mantendo a trajetória existente de melhoria do desempenho no mercado estabelecido.

Christensen e Raynor definem o conceito de inovação de sustentação (não disruptiva), como sendo tipicamente radical ou incremental, referindo-se à maioria das inovações que surgem, no xontexto da concorrência normal, dando continuidade às empresas líderes.

Considerando que as inovações disruptivas geralmente não são de interesse para os clientes atuais, líderes de mercado raramente são fontes de inovações disruptivas, diferentemente das inovações radicais em que as empresas líderes, normalmente, atuam como fontes empurrando as fronteiras do conhecimento. As inovações disruptivas, por seu turno, são, normalmente, de menor preço e mais simples, a exemplo dos discos rígidos menores, que não foram levados a sério pelos players estabelecidos por oferecerem menos capacidade de armazenamento, sendo que estas unidades menores passaram a atender, no começo, a um nicho de mercado emergente, tendo em vista apresentarem menor peso e baixo consumo de energia.

Assim sendo, inovação disruptiva não é necessariamente uma inovação radical. A definição de Christensen et al é baseada em alguns pontos identificados em diferentes indústrias, a saber: a) inovações disruptivas introduzem uma nova proposta de valor, normalmente, sob um novo pacote, utilizando tecnologias existentes e não necessariamente uma inovação radical; b) inovações disruptivas começam abordando mercados não atendidos ou mal servidos, emergentes; c) inovação disruptiva caracteriza seus produtos e serviços com um conjunto de atributos como tipicamente de menores preços, mais simples e de maior acessibilidade.

Assim, podem ser identificadas algumas diferenças entre inovações disruptivas e inovações radicais:

  1. a) enquanto as inovações radicais requerem a existência de capacidades tecnológicas superiores normalmente empurrando as fronteiras do conhecimento; as inovações disruptivas não dependem necessariamente da complexidade tecnológica envolvida;
  2. b) enquanto as inovações radicais focam em processos, produtos e serviços com características de desempenho sem precedentes; as inovações disruptivas normalmente apresentam uma performance inferior, mas aceitável;
  3. c) enquanto as inovações radicais normalmente dão continuidade às empresas líderes; as disruptivas costumam favorecer novos entrantes em determinada indústria em detrimento dos players já estabelecidos.

Os primeiros medicamentos biofarmacêuticos foram inovações radicais, por terem utilizado uma tecnologia completamente diferente (métodos biológicos de produção, em vez de síntese química), tratando os problemas de saúde que não poderiam ser resolvidos de forma satisfatória pelos medicamentos existentes. Inovações disruptivas, por seu turno, não precisam ser baseadas em inovações tecnológicas radicais dessa natureza, a exemplo do PC, que não envolveu tecnologia radicalmente nova, haja vista que seus primeiros modelos eram utilizados por amadores, sendo mais simples e acessíveis que os mainframes e minicomputadores.

Vale lembrar que a inovação disruptiva desenvolvida por Christensen et al não raramente é confundida com a inovação radical pela quebra de paradigmas que ambas acarretam. No entanto, é necessário reconhecer as diferenças entre ambas, as quais se referem, em suma:

  1. Às características de desempenho (inovações radicais apresentam normalmente desempenho sem precedentes; diferentemente das inovações disruptivas que normalmente apresentam performance inferior, mas aceitável);
  2. Aos mercados atendidos inicialmente (as inovações disruptivas atendem inicialmente a um nicho de mercado emergente; e as radicais, normalmente, ao mercado estabelecido);
  3. Às empresas fontes de cada tipo de inovação (as inovações disruptivas tem, normalmente, como fontes as empresas entrantes em determinada indústria; e as inovações radicais possuem, normalmente, como fontes os players já estabelecidos);
  4. À complexidade da capacidade tecnológica envolvida (inovações radicais requerem a existência de capacidades tecnológicas superiores empurrando a fronteira do conhecimento; e as inovações disruptivas não dependem necessariamente da complexidade tecnológica envolvida);
  5. Ao custo e à acessibilidade (as inovações disruptivas são, normalmente, de menor custo, mais simples e mais acessíveis do que as inovações radicais).

As vantagens competitivas nas diversas arenas focadas bem como a utilização de inovações disruptivas possuem entre seus elementos comuns a questão do custo e da produtividade envolvida. Uma tecnologia terá ratificada sua aceitabilidade no mercado na medida em que possua viabilidades técnica e econômica. Desta forma, a viabilização de uma tecnologia depende do modelo de negócio adotado pela empresa que a utiliza.

Neste sentido, se destaca a “formula de lucro”, a que se refere Christensen et al  em seu conceito de modelo de negócios, o qual leva em consideração os custos dos recursos e processos necessários à entrega da proposta de valor para definição de preço e margens de lucro. Ao conferir importância à fórmula de lucro e seus elementos como custos e margens de lucro, Christensen et al compartilham com Nonaka e Takeuchi, tendo em vista que estes últimos também observaram a relevância dos custos e margens de lucro em sua abordagem, ao tratarem da terceira das cinco fases de criação do conhecimento organizacional – a fase de “justificação de conceitos” – na qual incluíram custos e a margens de lucro como critérios de justificação de conceitos.

Assim, custo e produtividade são palavras que se tornam cada vez mais fortes no planejamento estratégico das empresas em todo o mundo. Na verdade, caminham juntas. Alguém, por outro lado, poderia, de forma indevida, apenas simplificar sua relação dizendo que, ao se reduzir o custo, se aumenta a produtividade, sem levar em conta outros fatores relevantes. Mas, não é tão simples assim. Desse modo, pode-se  concluir que a minimização do primeiro e a otimização da segunda, à luz do que foi apresentado, passam, necessariamente, por uma adequada e eficaz gestão  da inovação.

 

Isnard Marshall é professor e coordenador curso de MBA em Gestão Empresarial da STRONG FGV. Também é professor pesquisador da STRONG ESAGS e Coordenador e autor dos livros da série FGV Publicações Doutor em Engenharia Química pela Escola de Química – UFRJ / RJ, Mestre em Engenharia de Produção pela COPPE / RJ, Especialista em Administração pela PUC / RJ e Administrador de Empresas pela EBAPE – FGV / RJ. Participou de diversos cursos de aperfeiçoamento e atualização no exterior, destacando-se:

Brazilian Program for Quality Management promovido pela AOTS / JUSE (Yokohama, Japão – 1991), Business Seminar pela Ohio University (Athens, EUA – 2002), Business and Management for International Professionals pela University of California (Irvine, EUA – 2003 a 2007, 2009, 2010, 2012, 2013 e 2014), Conducting Business in a Changing World pela University of Tampa (2011), Public Policy, Finance and Investment Strategies pela University of Chicago (2011) e International Program in Business pela University of Miami (2012).

 

REFERÊNCIAS

1 – ABERNATHY e UTTERBACK. Patterns of industrial innovation. 1978.

2 – BOMTEMPO J. V., O futuro dos biocombustíveis IV: a posição brasileira. Infopetro.2010.

3 – CHRISTENSEN. The innovator’s dilemma. New York: Harper Business. 2003.

4 – CHRISTENSEN, GROSMAN e HWANG. The innovator’s prescription. 2009.

5 –  DOSI. Sources, procedures and microeconomic effects of innovation. 1988.

6-  IEA – International Energy Agency, Technological Roadmap: Biofuels for transport, 2011.

7 – NONAKA e TAKEUCHI. The Knowledge-Creative Company. 1995.

8 – PAVITT. Sectorial patterns of technical change Research Policy. 1984.

9 – PAVITT. What we know about the strategic management of technology. 1990.

10 – RAYNOR e CHRISTENSEN. Innovator’s solution: creating and sustaining successful. 2003.

11 – TUSHMAN e ANDERSON. Technological discontinuities and organizational environments. 1986.

12 – WEF – World Economic Forum, The future of industrial biorefineries, 2010.


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